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august 2007

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por Andréa Carvalho

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Desde a década de 1990, o surgimento das novas tecnologias tem possibilitado um boom de sites e blogs sobre literatura, disponibilizando trabalhos nas mais diversas formas,estilos e qualidade. 

A cada minuto um novo blog. A gaveta não é mais o destino primeiro de um aspirante a escritor, joga-se tudo na rede. É cada vez mais simples e fácil criar um blog ou um site literário e publicar em qualquer gênero – prosa, poesia, ensaio.

Machado de  Assis, Guimarães Rosa, James Joyce, Jorge Luis Borges, Virginia Woolf, E. E. Cummings, se estivessem vivido – em seu tempo -  o advento da Internet, seria a literatura desses escritores diferentes, em certo ponto?

Como nasce um escritor hoje? Necessariamente na rede?

São questões inquietantes, que muitas vezes esbarram na própria novidade do tema. Estamos inseridos nessa época, ainda com pouca distância histórica para elaborar  teoricamente conclusões e observações.

Entretanto, arriscaram-se a discutir essas  questões comigo quatro bravos moços: José Carlos Prioste,  Fabricio Carpinejar, Hugo Langone e Márcio-André.

Fabrício Carpinejar começou publicando livros antes de ir para a rede, onde hoje mantém dois blogs. Seu  único livro que nasceu de escritos na internet foi "O Amor Esquece de Começar", crônicas, lançado em  2006. Fabricio tem oito livros de poesia publicados, dois infantis,colabora em jornais, resolve briga de casal na revista Superinteressante, apresenta programas de rádio, já recebeu importantes prêmios literários, é professor universitário e mestre em Literatura Brasileira pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Seus livros já foram traduzidos e publicados na Alemanha, Itália e França.

Márcio-André  é formado em Letras pela UFRJ e edita a Revista Literária Confraria, juntamente com Victor Paes e Ronaldo Ferrio. É também criador da Confraria do Vento editora.  Artista multimídia, desenvolve trabalho performático, com música, poesia, artes plásticas. Colabora com inúmeros periódicos eletrônicos e impressos, sobretudo como tradutor.  Atualmente, prepara uma antologia de jovens poetas brasileiros para a Heaventree Press, do Reino Unido. 

Hugo Langone edita a Revista Literária Pequena Morte, junto com Raquel Meneses. Formado em Letras pela UFRJ, é pesquisador da área de literatura e atua também no ramo da produção editorial.

José Carlos Prioste é Mestre e Doutor em Ciência da Literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ensaísta e professor universitário. Trabalha com questões referentes à Literatura Brasileira e à Modernidade.

Longe do deslumbramento

Novos escritores em um novo suporte de discurso talvez seja o ponto de partida para o surgimento de  novas linguagens na literatura brasileira, especialmente na poesia e no conto, gêneros que parecem perfeitos para a web.  Existe algo de novo – em relação ao discurso narrativo e poético – nesse novo meio de difusão e produção?

Para o Professor José Carlos Prioste, "um novo meio, com a virtualidade de suportes não mais físicos,  exige uma adaptação mais sintética, breve e concisa. Não se trata de uma adaptação em si de uma linguagem verbal com suas especificidades, mas de descobrir novas formulações de uma semiose que ainda está se processando".

Prioste ainda aconselha: "Penso  que novos escritores e novas linguagens sempre surgirão enquanto o homem for humano, portanto, compete aos novos autores se situarem perante a nova mídia sem o deslumbramento com a técnica, mas utilizando o que esta traz de contribuição para o questionamento de valores enraizados em preconceitos, para alargar a consciência crítica e transformar a realidade".

Para  Hugo Langone é um risco afirmar que surge uma nova literatura brasileira devido aos novos suportes. E a questão não se atém ao meio digital somente: "Se procurarmos nos lugares certos, também temos pessoas buscando formas diferentes de usar a linguagem."

Há, outrossim, a  possibilidade de espaço para novos autores. Para ele, não há como dissociar a  produção literária do contexto em que o autor se encontra: " Se estamos produzindo num mundo dinâmico, num mundo onde a imagem e o movimento são intensos, alguma coisa disso estará também presente na escrita, na linguagem. É difícil falar de uma nova linguagem somente na literatura brasileira. Acho que esse movimento é global" .

Márcio-André refere-se a passagem da escrita à máquina para a escrita no computador, como fonte da grande mudança na maneira de se conceber o trabalho literário,  "sobretudo com a ferramenta do copiar/colar" . Diz ele: "O surgimento da Internet vai proporcionar uma outra mudança mais radical. Não temos capacidade para perceber qual a amplitude dessas mudanças. A nova geração de autores ainda não está sendo suficientemente lida para que isso esteja evidente".

Para Fabricio Carpinejar, as publicações da rede ainda são âncoras do papel. Para ele, "A internet, ironicamente, valorizou o livro. Destaco o crescimento da crônica e sua valoração como gênero"

A linguagem está sendo transposta, não recriada, segundo o  Professor Prioste, que acredita no surgimento de uma linguagem mais pertinente ao meio: "Acredito que com o tempo surgirão linguagens atinentes a um meio que exige uma concentração verbal aliada a uma visualidade com uma multiplicidade organizacional diversa da seqüencialidade temporal e linear."

Para ele: " A renovação literária ocorrerá decorrente de uma inovação na linguagem que o novo meio proporciona, pois, enquanto se fizer literatura verbal, com uma expressão dominada pela concepção "literária", ou seja, enquanto uma mera reprodução da forma escrita no monitor, estaremos ainda atrelados ao convencionalismo da escrita obediente à linearidade da temporalidade" .

Sim, não e talvez. Quando se questiona sobre renovação da literatura do século XXI a partir, exclusivamente, do que escritores inauguram na internet, nossos poetas se dividem.

Langone considera  a literatura como um lugar muito mais amplo do que um novo espaço de divulgação. " A internet se une a diversos outros meios de trabalho literário, se tornando mais um suporte novo. A renovação de uma literatura vai muito além disso" .

Já Carpinejar, acredita sim em renovação partindo da rede, pois os escritores estão mais rigorosos: "Perderam a ansiedade e a pressa de publicar, conhecem melhor seu trabalho porque saíram da gaveta e enfrentaram a exposição pública. Testaram estilos e formas. Não farão vanguarda por pose, mas por crença. Não soltarão nada no papel sem a contrapartida do treino. Os escritores da rede vivem treinando, vão jogar melhor nas partidas de campeonato" .

Para Márcio-André  talvez haja uma renovação a partir da web, pois " estamos caminhando para uma direção onde tudo vai ficando cada vez mais eletrônico e dinâmico". E menciona a renovação na própria forma de consumo e acesso a obra literária:

"Acredito que, no futuro, as pessoas verão um livro na Internet e o imprimirão em um terminal-livraria, já em formato de livro, com capa e tudo.E por um lado, isso é ótimo. Hoje, o que encarece o livro no Brasil é -  em grande parte -  o poder das livrarias".

No tocante às livrarias, o professor Prioste também refere-se a possibilidade de uma circulação maior fora do domínio de livrarias e  editoras. Ele avalia que a Internet "como meio de divulgação, independe do suporte material impresso e possibilita uma circulação maior que não se restringe ao domínio das editoras e das livrarias. Como novo suporte, capacita aos criadores inventivos uma diversidade experimental que amplia cada vez mais os recursos da expressão humana".

Transar para casar

Blogs e sites literários são resenhados pela crítica como livros impressos. Blogueiros famosos se tornam hits em publicações impressas. Autores que começaram em publicações de livros, vão para a rede. Há um trânsito constante entre os meios. Uma  aproximação entre leitores e autores.   Mesmo assim ainda estamos longe de uma lista de best sellers de publicações na rede...

A literatura da tela virtual é a mesma do papel concreto?  Qual a parceria de colaboração entre esses meios?

"Ainda queremos transar para casar. Não transar para transar"  - com essa metáfora curiosa o poeta Fabricio Carpinejar ilumina a questão. Para ele, os escritores  da web querem ser autores de livros de estante:

"O livro é como a formalização. São raros os autores que mantém um blog durante três ou mais anos e que não tenham interesse editorial. A resistência na internet é literatura, porque significa que há um projeto e uma visão de mundo por detrás daquele endereço. Uma ambição de visibilidade"

Hugo Langone e Márcio-André concordam. Para Hugo: "Há uma espécie de aura em torno dos livros. Todos começam com uma divulgação digital e depois passam para um suporte impresso. Esse é um movimento comum. O livro continua sendo livro, e a internet é um bom meio de divulgação".

Para Márcio-André, o livro objeto ainda é objeto do desejo de qualquer escritor. Não somente escritores, mas os próprios leitores buscam o livro.  "O escritor para se realizar ainda tem a necessidade de ter algo material entre as mãos. Ainda que um livro impresso venha a ser menos lido que um trabalho na Internet. Só se leva a sério esse trabalho se estiver impresso".

Poesia, leitores e lugares

A poesia, um gênero que sempre foi considerado de difícil alcance por um público maior, na internet parece encontrar o meio de divulgação e experimentação perfeito. Utilizações de recursos visuais aliados à programas de edição de texto  são elementos bastante atraentes a qualquer poeta.

Será que na rede a poesia é mais " popular" do que  no livro? Ou o leitor de poesia da internet é o mesmo que compra um livro na livraria?

Langone discorda do termo "popular" quando se trata de poesia, para ele "mesmo com a imensa divulgação que a poesia possa ter com o avanço dos meios de publicação virtuais, o problema é ainda maior. Se a falta de leitores de poesia fosse só questão de divulgação, isso seria  tranqüilo de ser resolvido. O cerne da questão é o interesse pela linguagem poética. Quem tem interesse pela poesia a lê tanto na internet quanto nos livros".

Márcio-André não acredita na popularidade  da poesia na web. Para ele: " O bom escritor vai ser lido em qualquer meio, impresso ou eletrônico. Não será a mídia que irá afastá-lo ou aproximá-lo do seu leitor. Entretanto, é preciso admitir que neste caso, a Internet é um meio de distribuição infinitamente mais poderoso e rápido que qualquer material impresso".

Para Carpinejar, um dos riscos da poesia na rede é que ela se esgota fácil: " Não teria tanta poesia para liberar mensalmente, imagina semanalmente? É um ritmo mais lento, algo como enxergar o mundo de noite a partir de um relâmpago. Sem dúvida, avalio a poesia como a arte mais adequada para a internet. A mais enfática. A mais perigosa" .

E vai além:  "A poesia está perdendo seus estigmas com o público, pois os poetas estão conversando diretamente com seus leitores. Eles tornam-se leitores de seus leitores. Aquela conversa depressiva de que poesia não vende, de que não há interesse, termina soterrada pela eletricidade dos comentários. Adeus desculpas! O leitor que gosta de um autor vai procurá-lo em tudo o que é canto, inclusive no livro" .

Boas-vindas

A essa futura literatura brasileira - qualquer literatura porém UMA literatura - saudamos com cumprimentos de boas-vindas. 

O futuro é tão instigante e sedutor  quanto as perguntas que temos hoje. O mais importante é que com todo o pessimismo do nosso tempo há ainda o movimento adiante.

Parece mesmo que, até o momento, a Internet é uma ferramenta importante para se começar a escrever, para arriscar-se e se mostrar a platéias maiores -- uma gaveta aberta a todos. E quem ousará dizer o que faremos depois disso tudo?

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